O mundo perdeu na noite do dia 23 de maio, o ex-senador e ícone da luta negra brasileira, Abdias de Nascimento. Abdias foi um entusiasta da causa humana e se consolidou durante a vida como um símbolo de resistência ao quadro de desigualdade social e racial presente em nosso país. Teve uma atuação destacada na esfera política, o que levou ao Senado da República. Abdias foi também o criador do Teatro Experimental do Negro nos anos 40. Experiência cultural das mais importantes de nosso país.Em virtude de sua postura firme e coerente sofreu ataques, perseguições. Mas nunca deixou o sonho e a luta.
Tive a oportunidade de encontrar com Abdias em duas ocasiões que marcaram por demais minha vida. A primeira, há cerca de 20 anos atrás. Fazia o curso de Letras, à noite, na UFPR. Nesta época trabalhava, durante o dia, como gerente de uma das filiais das Livrarias Curitiba, localizada na Rua Presidente Faria. Fui procurado por algumas lideranças negras que me propuseram a realização de uma noite de autógrafos com o escritor Abdias de Nascimento. Topei na hora. Foi uma noite inesquecível regada a um bom papo e vinho. Infelizmente não tenho registros fotográficos da atividade. Abdias com toda a sua autoridade de vida, e humildade deu uma aula de humanidade. Saboriei cada palavra do velho mestre. A partir da aí comecei a ler seus livros e me embriagar do sonho de construção de um Brasil sem preconceito racial.
Mais tarde, em Londrina, se não me falha a memória, em 1994 participei da organização em Londrina do I Fórum de Cultura Afrobrasileira. Uma experiência muito importante para a minha formação política. No Fórum tivemos plenárias específicas da área da educação, dos esportes, da religiosidade e da artes. Debate de alto nível com a participação das principais lideranças negras da cidade de Londrina. O evento teve duração de aproximadamente um mês. Lembro de como foi importante para cada um de nós ter na abertura do Fórum o ex-senador Abdias do Nascimento. O auditório da Associação Comercial de Londrina ficou lotado. Queríamos escutar, e acima de tudo, referenciar a história de luta e de vida do Abdias.
Estou convencido de que não há como falarmos na causa negra brasileira sem lembrar da atuação de Abdias de Nascimento. Ele se foi. Mas o seu exemplo de vida e o seu sonho de construção de um país justo e livre das desigualdades raciais e sociais continuam mais vivos do que nunca!
Abdias de Nascimento! Presente.
Breve biografia de Abdias:
Nascimento, Abdias do (1914 – 2011) |
Biografia
Abdias do Nascimento (Franca SP 1914 – Rio de Janeiro RJ 2011). Ator, diretor e dramaturgo. Militante da luta contra a discriminação racial e pela valorização da cultura negra. É responsável pela criação do Teatro Experimental do Negro, que atua no Rio de Janeiro entre 1944 e 1968. Essa é a primeira companhia a promover a inclusão do artista afrodescendente no panorama teatral brasileiro.
A militância política de Abdias do Nascimento começa na década de 1930, quando integra a Frente Negra Brasileira, em São Paulo. Participa, anos depois, da organização do 1º Congresso Afro-Campineiro, com o objetivo de discutir formas de resistência à discriminação racial. No início da década de 1940, em viagem ao Peru, assiste ao espetáculo O Imperador Jones, de Eugene O’Neill, no qual o personagem central é interpretado por um ator branco tingido de negro. Refletindo sobre essa situação, comum no teatro brasileiro de então, propõe-se a criar um teatro que valorize os artistas negros.
Nascimento permanece em Buenos Aires por um ano, estudando no Teatro Del Pueblo. Quando volta ao Brasil, em 1941, é preso por um crime de resistência, anterior a sua viagem. Detido na penitenciária do Carandiru, atualmente extinta, funda o Teatro do Sentenciado e organiza um grupo de presos que escrevem e encenam os próprios textos.
No Rio de Janeiro, com o apoio de uma série de artistas e intelectuais brasileiros, inaugura o Teatro Experimental do Negro – TEN, em 1944, com a proposta de trabalhar pela valorização social do negro por meio da cultura e da arte. No primeiro ano de funcionamento, o TEN promove um curso de interpretação teatral, ministrado por Nascimento, além de aulas de alfabetização e oficinas de iniciação à cultura geral, objetivando a formação de artistas e colaboradores. Dirige o espetáculo de estreia do grupo, O Imperador Jones, em 1945. No ano seguinte participa como ator de duas outras peças de O’Neill produzidas pelo grupo: Todos os Filhos de Deus Têm Asas e O Moleque Sonhador. Ainda em 1946, comemorando dois anos de fundação do TEN, protagoniza trecho do espetáculo Otelo, de William Shakespeare, com a atriz Cacilda Becker.
Em seguida, o grupo passa a encenar uma série de novas peças da dramaturgia brasileira, focalizando questões de relevância para a cultura negra. Nascimento dirige, em 1947, O Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso, e também atua na peça, a primeira escrita especialmente para o TEN, abordando a questão do negro em forma de parábola. No ano seguinte, atua como ator e diretor em Aruanda, de Joaquim Ribeiro, colocando pela primeira vez no centro da representação elementos da religiosidade afro-brasileira. Monta Filhos de Santo, de José de Morais Pinho, em 1949.
Apropria-se da tradição do teatro de revista para escrever Rapsódia Negra, encenada em 1952. Em 1957, participa como ator da montagem de seu segundo texto dramatúrgico, Sortilégio, fábula moral que fala do preconceito de raça com base em uma situação vivida pelo protagonista, com direção é de Léo Jusi. Anos mais tarde, escreve uma segunda versão dessa peça, mesclando a ela aspectos da cultura africana, inspirada em sua estada de um ano na Nigéria,
Dirige, entre 1948 e 1951, o jornal Quilombo, órgão de divulgação do grupo e de notícias de outras entidades do movimento negro. Realiza a Conferência Nacional do Negro, em 1949 e, o 1º Congresso do Negro Brasileiro, em 1950. Em 1961, publica o livro Dramas para Negros e Prólogos para Brancos, compêndio com peças nacionais que tratam da cultura negra, entre elas as montadas pelo TEN.
Devido à perseguição política, em 1968 Nascimento parte para um exílio que dura treze anos. Com a dissolução do TEN, deixa de atuar e dirigir no teatro, e sua militância ganha outras direções. Fora do Brasil, atua como conferencista e professor universitário, publica uma série de livros denunciando a discriminação racial e dedica-se à pintura e pesquisa visualidades relacionadas à cultura religiosa afro-brasileira. Na volta ao país, investe na carreira política, assume cargo de deputado federal e senador da república pelo PDT, sempre reivindicando um lugar para a cultura negra na sociedade.
Fonte: Biblioteca Itaú Cultural
Por Glorinha Rodrigues em 3 de junho de 2011 às 13:30.
Caro amigo Paixão, que lindo sua homenagem ao grande homem Abidas, que voltou para casa, mas que nos deixou um grande legado de luta e resistência. Faltando tantos modelos na sociedade atual, temos Abdias como paradigma que deverá perpetuar em nossas memórias, e principalmente devemos ter o compromisso que manter viva a sua memória presente na vida dos que ainda virão. Sem dúvidas perdemos, mas também ganhamos, pois não morre quem nos vive vivo. Vive quem nos vivos vive, e isto que devemos fazer, manter Abdias do Nascimento vivo em nossas mentes e em nossas práticas de vida.
Parabéns pelo excelente texto, muito emocionante.
Glorinha.
Por paixao em 3 de junho de 2011 às 15:26.
Obrigado Glorinha!
Você tem toda razão. Precisamos manter aceso o exemplo e o sonho e a ousadia de Abdias. Viveu lutando pela construção de um mundo justo. Viveu lutando pela valorização do humano, independente de sua origem étnico-racial, de sua crença religiosa ou do sexo. Parabéns Abdias!
Por José Maria em 4 de junho de 2011 às 21:31.
Pois é, Luiz Carlos, perdemos o Abdias, mas ganhamos o seu legado. Ele nos ensinou o valor do engajamento político na luta pela igualdade entre as pessoas. Foi um grande líder. Deixou grandes exemplos. Precisamos tê-los como parâmetros em nossa caminhada. Você foi muito feliz na merecida homenagem. Parabéns!
Por romeu em 5 de junho de 2011 às 2:36.
Pois é, Paixão. E na semana passada, o SBT repórter faz uma reportagem-denúncia que nós precisamos fazer com que o Ministério Público Federal e do Estado de S.Paulo tomem providências. São cenas chocantes de racismo explícito. Por que não iniciamos um abaixo assinado pedindo tais providências?
Abraços
Romeu
Por paixao em 7 de junho de 2011 às 16:20.
Vi parte da matéria. Realmente são cenas chocantes. Sua idéia é ótima. Estou junto nesta empreitada.
Abraços
Por Jane Marcia Madureir em 5 de junho de 2011 às 15:54.
Olá Paixão
Realmente não há como falar da população negra sem lembrar de Abdias do Nascimento. Ficamos orfãos, a partir de agora ou melhor mais do que nunca precisamos divulgar e fazer circular questões e reflexões relativas ao racismo, igualdade racial, educação, filosofia, sociologia, história do movimento negro, cultura afro brasileira, África e suas histórias, qua ele tanto defendia e criticava.
afrobjs
Jane Marcia
Por Lucia em 7 de junho de 2011 às 3:58.
Paixão, parabéns pela iniciativa de escrever esta homenagem a Abdias, poeta, político, artista plastico, jornalista e diretor teatral, que sua voz de luta contra o racismo e por igualdade continue sendo ouvida por todo o Brasil. Esta é uma bandeira que temos que levar adiante
Por Izabel da Silva em 7 de junho de 2011 às 18:47.
Oi Paixão.
Agradeço, pelo envio deste documento tanto o video como seu comentário, sobre Abdias do Nascimento, ele foi um herói, e por certo nunca será esquecido por nós os negros que aqui ficamos, conscientes do trabalho realizado por ele, e a luta combatida que travou, continuaremos, uma vez que ela não terminou.
Um abraço,
Izabel.