Quinta-feira, 18 de março de 2004

Querida Elisa,

Não pude voltar ao Brasil a tempo, nem para os 90 anos do Abdias nem para os meus 73, no dia seguinte.

Foi pena: Abdias é o meu mais antigo querido amigo, nós nos conhecemos desde 1950 – faz mais de meio século!

Abdias me ajudou muito no meu começo em teatro: lia minhas peças e me dava conselhos, sempre úteis, não só do ponto de vista teatral mas, o que era para mim mais importante, do ponto de vista ético e político.

Eu tinha um contato direto com a pobreza, morando na pobre Penha daquela época, mas foi o Abdias que me ensinou a compreender as causas daquela pobreza. Eu via e odiava o racismo, explícito ou disfarçado, mas foi o Abdias que me ensinou a compreender as razões e a extensão, às vezes até mesmo inconscientes, do racismo brasileiro.

Não esqueci, nem vou esquecer nunca, as conversas que tínhamos, vez por outra, tomando café de pé, em frente ao Vermelhinho, e que tanto me ajudaram na minha formação.

Abdias me ajudou muito, não só a mim mas a muito mais gente – gerações! Não só com aquilo que nos dizia com veemência – Abdias sempre foi um apaixonado! – mas principalmente com o seu exemplo de vida, de integridade, de trabalho: era impossível não ser influenciado por ele.

Foi pena que eu não tenha podido estar presente na festa do seu 90° aniversário. Mas o que me anima é que já marquei na minha agenda o dia 15 de março de 2.014: ao Centenário, com toda certeza, quero ir lhe dar um fraterno e agradecido abraço.

Com todo o carinho do Augusto Boal