Fonte: Gazeta do Povo

Regional Bairro Novo tem cenário bucólico, mas problemas são iguais aos dos bairros mais populosos. Desafio é incorporar os novos moradores

Em frente ao mercado que inaugurou em 1996 no bairro Umbará, o empresário Marcos Amâncio Testa é cumprimentado por vários clientes. Mas ele também é interpelado para resolver questões mais sérias: uma mulher pede ajuda para entrar em contato com algum policial. O filho e o amigo tinham acabado de sofrer um assalto, no meio da tarde. O empresário a encaminha para falar com alguém, sem alterar a expressão ou o tom da voz. Como presidente do Conselho Comunitário de Segurança do bairro, ele está acostumado a esse tipo de conflito.

Forasteiros tendem a imaginar que os bairros Umbará e Ganchinho, com seus cenários bucólicos, vazios urbanos e muita área verde seriam mais tranquilos. Negativo, diz Testa. “Temos aqui todos os problemas comuns aos bairros periféricos. Não há segurança, faltam vagas em creches, as ruas são esburacadas e temos ainda muitas pontes de madeira”.

Marcos Amâncio Testa, presidente do Conselho de Segurança do Ganchinho: “Temos aqui todos os problemas comuns aos bairros periféricos” FOTO: Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo

Números

R$ 800,00 é o valor do rendimento nominal mediano mensal das pessoas de 10 anos ou mais de idade na Regional Bairro Novo. É o menor entre as nove regionais da cidade. A média em Curitiba é R$1.021.

As duas localidades formam, junto com o Sítio Cercado, a Regional Bairro Novo, no Sul de Curitiba. O nome guarda mais relação com a ocupação recente do que com aspectos históricos. A distância do centro da cidade – cerca de 20 quilômetros – conservou o bairro das ocupações e especulações por muito tempo. Mas agora a situação vai mudar.

O Ganchinho, que tem uma população de 11.178 pessoas, conforme o Censo 2010, ganhará cerca de 10 mil novos habitantes nos próximos meses. Essas famílias moram em áreas irregulares e vão ser realocadas para um dos milhares de imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida.

Por mais que a prefeitura prometa infraestrutura para abrigar o dobro da população, a Associação de Moradores do 23 de Agosto, no Ganchinho, está na lida para garantir posto de saúde, educação e ônibus para todos. “Não dá para dividir essa gente nova nos postos de saúde que já existem. Foi um caos esses dias no Osternack, quando um médico estava de férias”, diz Vera Lúcia Soares Peres, 49 anos, presidente da entidade.

A multiplicação dos lotea­­mentos também domina o cenário do Umbará e as preocupações de Maria Elizabeth Nichele, 48 anos, pedagoga que atua no Farol do Saber São Pedro/São Paulo e nativa do bairro. Muita gente já chegou, diz ela, e de fora da cidade. “Do Nordeste, de São Paulo, do Norte do Paraná. Dá para saber quando fazem as carteirinhas aqui.” A final da Libertadores foi um marco. “No jogo do Corinthians meu filho ficou impressionado. Nunca havia ouvido tanto barulho por aqui.”

O problema, aponta Maria Elizabeth, não são os novos moradores, mas a falta de estrutura para comportar o crescimento. “A Nicola Pellanda é uma rua de bairro, mas com movimento de BR. Depois que asfaltaram virou ligação com Fazenda Rio Grande. Quando dá um problema no Contorno Sul, aqui fica parado”.

Uma das pessoas que usa a Nicola Pellanda diariamente para ir a Fazenda Rio Grande é o empresário Marcelo Souza Rocha, 36 anos, morador do Sítio Cercado que abriu uma empresa de informática no município vizinho. O trabalho está no outro município, mas a ligação de Rocha é com Curitiba e o Sítio Cercado. “O bairro é estigmatizado, muitos o acham violento. Mas quem mora ali não sente a insegurança desse jeito. É como em qualquer outro bairro. É preciso evitar uns pontos e ser atento, mas podemos caminhar à noite na avenida, sem problemas”.

Falta de áreas de lazer desmotiva

Em meio a novas construções e trânsito pesado, o Ganchinho guarda um oásis de tranquilidade, praticamente vazio na tarde de uma segunda-feira ensolarada, em pleno recesso escolar. O Parque Lago Azul, inaugurado em 1997 sobre uma antiga propriedade que mantém casas originais da década de 40, tem academia ao ar livre, pista de corrida e uma cancha. “Bonita, não é? Mas fica vazia. Não dá para usar. Eles preferem que fique bonito”, reclama Testa, do Conseg do Umbará.

Segundo ele, o programa de futebol para jovens foi interrompido por falta de espaços de lazer. “Há áreas disponíveis, mas falta vontade política. Precisamos de uma área neutra, específica”. O esporte, diz ele, é uma ótima estratégia para ocupar os jovens e mantê-los longe das drogas e da violência. Ele reconhece que o prefeito tem pouco a fazer na área de segurança pública, de responsabilidade do governo estadual, mas diz que programas sociais ajudariam muito. Nos 15 anos em que mora no Umbará, Testa contabilizou a morte de 62 jovens, com idades até 22 anos. “Eu queria só saber onde está a qualidade de vida que tanto falam de Curitiba”. diz.

Vera Peres, presidente da Associação de Moradores do 23 de Agosto, também lamenta que tantos jovens se envolvam com as drogas. Para ela, que trabalha sem remuneração, a pior parte do trabalho é ver o desespero de mães com filhos nessa situação. “É como se fossem meus filhos também. Nessas horas desejo um mal imenso para os traficantes”, conta.

Marcelo Rocha reclama da carência de áreas de lazer no Sul de Curitiba. O “Lago Azul demorou dez anos para ficar pronto. Pelo menos temos alguma coisa. Mas o programa mais comum por aqui é ir no Zoológico. Quem tem tempo e carro vai de vez em quando no Barigui ou no Tanguá”. Ele comenta que há várias atividades na Rua da Cidadania do Bairro Novo, mas sugere a descentralização das opções de lazer, já que a regional é imensa.

Os dados sobre áreas verdes confirmam isso: enquanto o Umbará e o Ganchinho tinham 533,16 e 626,75 metros quadrados de área verde por habitante em 2000, o Sítio Cercado oferecia apenas 3,05 metros quadrados a cada morador. A contagem de 2010 por bairros ainda não foi finalizada, e os moradores dizem que não viram mudanças que tenham garantido um acréscimo nesses números.